sábado, 19 de setembro de 2009

Ela lava, ele enxuga


O Sesc Arsenal, localizado no bairro Porto em Cuiabá, tem sido palco para diversas atrações de cunho cultural. A integração entre arte e sociedade fica estampada logo na entrada. Um belo jardim, inúmeras salas para diferentes fins e mesas dispostas no vão central dão ao local um ar de magia e socialização.

Ao chegar lá na sexta-feira, 18, já pude notar o clima envolvente e a preferência dos cuiabanos pelo espaço para sair, relaxar e jantar com a família e amigos. O local virou ponto de encontro por proporcionar boa música, bom atendimento e espetáculos gratuitos em ambiente agradável ao ar livre.

Nessa noite, a Cia. Thereza João apresentava na sala de Teatro a peça Ela lava, ele enxuga. Como admiradora e amiga fui prestigiar o trabalho dos talentosos João Manuel e Thereza Helena. Baseado em contos e crônicas de Fernando Sabino, o espetáculo contou ainda com a presença do ator Frank Busatto.

As ações se passavam em uma cozinha e arrancaram muitos risos da platéia. Além da raiz cômica, os textos são reflexos do nosso cotidiano ou de situações pelas quais todo mundo já passou um dia. O ambiente doméstico foi escolhido como cenário por ser um local de convívio entre esposa/ marido, pais/ filhos.

O fio condutor de todos os contos que se sucediam era o olhar masculino a cerca de características femininas. A capacidade da mulher de enfeitiçar, persuadir e olhar ironicamente para os homens foram interpretados ora com ações, ora com narrações.

O cenário foi muito bem planejado com poucos objetos que cumpriam perfeitamente seu papel. O destaque fica por conta da trilha sonora alternativa. Todos os sons foram produzidos através dos próprios utensílios da cozinha, como armário, talheres e pratos. A criatividade dos atores merece aplausos, que encheram o palco de magia e mostraram que o teatro é a união de várias artes.

Abaixo, um trecho do conto Ela lava, ele enxuga:

— Eu hoje quero jantar fora — foi declarando, categórica, quando ele lhe abriu a porta.

— Onde você andou? — perguntou ele, dando-lhe passagem.

— Fui ao cabeleireiro. E você? Tentei te avisar o dia todo.

— Me avisar o quê?

— Que eu queria jantar fora.

— Vim mais cedo para casa. Como não te encontrei...

— Nem podia encontrar, pois eu estava no cabeleireiro.

— Eu sei, você já falou. Não te encontrei, e estava com fome...Que é que ele queria dizer? Que já havia jantado?

— Jantado, propriamente, não. Como estava com fome, fritei um ovo, e tinha um resto de arroz na geladeira... Não achei mais nada.

— Não achou nada porque eu não vim fazer o jantar.

— Estou sabendo. Foi ao cabeleireiro

— Isso mesmo. Fui e hoje eu quero jantar fora — insistiu ela: — Não venha me dizer que você não vai me levar só porque comeu um ovo.

— Calma, minha filha — fez ele, evasivo:

— Jantar onde? Você nem acabou de chegar da rua e já quer sair de novo. Que diabo de penteado é esse?O comentário final foi a gota d'água — ela, que esperava dele um elogio pelo penteado.

— Não pensa que você me leva na conversa — protestou, indignada: — Eu quero saber se vai me levar para jantar. Se não vai, diga logo, que eu vou sozinha.Um tanto temerária, aquela afirmativa, admitiu ela para si mesma: jantar sozinha como? onde? com quem? e pagar com quê?— Estou com fome... — choramingou, para ganhar tempo.

Ele fora sentar-se diante da televisão, indiferente, enquanto ela ficava por ali, lamuriando a sua fome.

— Vê se encontra aí qualquer coisa para comer, como eu fiz — ele se limitou a dizer.

Ela botou as mãos na cintura e sacudiu com raiva a cabeça, ao risco de desmanchar o penteado:— Olha bem para mim e vê se me acha com cara de arroz com ovo.

— Ovo, só tinha um — ele ria, o cínico! — E o arroz já era.

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